O mito da cesariana ser o problema e o mito de ser um problemabrasileiro: a realidade do parto na sociedade patriarcal.

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domingo, 14 de fevereiro de 2016
Que a cesária desnecessária é um problema grave no Brasil nos já sabemos. Mas, se analisarmos de forma mais profunda, perceberemos que é mais um sintoma do que a doença em si. Qual, de certa forma,  até nos atrapalha a enxergar uma realidade mundial com relação ao parto: que o real problema do parto que abrange toda a sociedade patriarcal na qual estamos inseridos no mundo ocidental é a des- feminização, des- naturalização e a consequente (e mais alarmante) des humanização do parto! 

Quando buscamos taxa de partos normais, realmente encontramos índices mais lindos fora daqui, mas quando analisamos a realidade desses partos, encontramos por todo o mundo mulheres parturientes tratadas como doentes, deitadas em macas por horas, com  soro, com ocitocina, com enfermeiras e médicos entrando e saindo de seus quartos e pouquíssima mobilidade, empoderamento ou assistência. Encontramos altas taxas de inúmeros toques, episiotomias e outras intervenções, de descontentamento e de des- humanização. 



Não é um padrão brasileiro. É um padrão da sociedade. A cultura brasileira reagiu à isso dando espaço para a cesária, enquanto outras culturas tomaram outras posturas, mas no fim das contas são mulheres parindo em cativeiro sem ser protagonistas dos próprios partos em todo mundo. 

São partos hospitalares que são absolutamente menos humanos do que a maior parte dos procedimentos que se passam nos hospitais. Por que? Porque o nascimento mexe com o interior dos seres, e a maioria não sabe ou não consegue lidar com esse momento humano, sexual, natural.  E, em negação, tratam da forma mais cética possível o acontecimento máximo da natureza humana. Por isso vemos tantos maus tratos no parto, e por isso muitas mulheres até hoje abraçam e desejam a cesária.

"Nós, mulheres, com séculos de patriarcado nas costas, afastadas de nossa sintonia interior, não queremos parir, nem sentir, nem entrar em contato com a dor. Não sabemos o que é prazer orgásmico. Carregamos séculos de dureza interior, vivemos com o útero rígido, a pele seca e os braços incapacitados. Não fomos abraçadas nem embaladas por nossas mães, por que elas não foram embaladas por nossas avós e assim por gerações e gerações de mulheres que perderam todo vestígio de  brandura feminina. Quando chega o momento de parir, nosso corpo inteiro dói devido à inflexibilidade, à submissão, à falta de ritmo e carícias." Laura Gutman 

É alarmante perceber que, dentro desse contexto, pela falta de prática do parto normal aqui no Brasil, muitas vezes a cesária desnecessária é a opção mais humana! Pense comigo: 
numa cidade em que os médicos são conhecidos por episiotomias, kristeller, ocitocina precoce e muitas outras violências obstétricas (e sem discursão nem permissão), uma gestante te diz: "quero muito um parto normal, mas morro de medo dos médicos. Acho que uma cesária me deixa mais segura que não vou sofrer nada disso, nem ficar batendo boca com médico durante o parto."

O que vemos hoje no mundo é um parto permeado de intervenções desnecessárias, mesmo que não haja qualquer complicação. Um parto dolorido, sofrido, mutilado, desrespeitado. Intervenções essas que persistem depois do nascimento, e muitas vezes se prolongam até a alta hospitalar! Procedimentos com os bebês, o afastamento da mãe, os remédios, vacinas, banhos precoce e medidas esticadas que fazem as primeiras horas do bebê um pesadelo. Depois vem a solidão em berçário, as agulhadas de glicemia, o leite artificial para que não chorem. 

 E todas essas intervenções acabam por desumanizar o nascimento como um todo, dificultando a fusão mãe bebê que é absolutamente necessária à humanização do mundo. Essas mães, assim como qualquer mamífera que pare em cativeiro, têm dificuldade de desenvolver apego, de amamentar, e uma série de consequências na puérpera, em todo pós-parto e (por que não?) no seu relacionamento com o filho para toda a vida.

Mas então, qual a solução? 

A luta para ir contra os padrões estabelecidos pelo patriarcado existe hoje em vários âmbitos sociais. No parto, especificamente, acredito fortemente na des hospitalização do nascimento! 
O caráter não médico do parto normal de baixo risco deve ser (e tem sido) o foco, mesmo que com o backup para os casos em que evolua para complicações. Que, temos que concordar, estatisticamente são a minoria e não justificam a medicalização do parto como padrão. 

Ao hospitalizar o parto, o personagem principal e o maior responsável acaba sendo o médico. Eles realmente "fazem" o parto. E nesse contexto, as gestantes/ mães são meras espectadoras. 

Para humanizar o nascimento, precisamos entender que parir deve ser um processo natural do corpo feminino, e que isso não deve ser uma coisa pela qual elas têm que lutar! Deve ser o normal! O padrão. E com todo o suporte da sociedade para que seja feito da forma mais saudável possível. 

Com exceção de raros países e culturas, no mundo hoje, para parir de forma empoderada e sem intervenções desnecessárias, a mulher deve ir contra tudo e todos e ouvir de vários profissionais da saúde ameaças mil pela decisão que tomou. E se parto está "entre as orelhas" com certeza o subconsciente feminino absorvente e coloca no parto todas essas ameaças. 

O ideal é estarem todos trabalhando em conjunto para que o parto natural seja cada vez mais comum, e intervenções cada vez mais raras e em casos de necessidade. 

Que a mulher possa parir em todo o mundo sabendo que vai dar tudo certo, e mesmo que não dê, que ela tem opções. Pois tem apoio total da área médica e da tecnologia para tal. 
É naturalizar o que é natural. Medicalizar apenas o necessário. 

Hoje, tem-se a naturalização do parto hospitalar, e quase que uma guerra cirrada entre profissionais de saúde, que quase torcem para partos domiciliares darem errado e poderem gritar "eu avisei!". 

Mulheres empoderadas indo para hospitais parir e, em troca, ganhando inúmeros traumas que são tão desnecessários quanto os procedimentos que os causam.

Enfim, entender que se trata de algo mundial e não local se faz tão importante quanto entender que trata de algo histórico. Das consequências de anos de patriarcado, repressão sexual, da centralização do homem (macho) e medicalização da vida . E, portanto, se trata de um processo lento que não abrange apenas o parto mas a forma de ver a mulher e o natural como um todo. 
Então a deshopitalização do parto se faz urgente e necessária, mas está em processo, tanto quanto os movimentos feministas e a descentralização masculina da sociedade.
Não é só não fazer cesária para contar altas taxas de parto normal. É humanizar o parto, o protagonismo feminino e não só aqui, como no mundo! 

E todos esses processos já estão em curso, nós sabemos disso! E vai em direção à naturalização do natural. Já não é uma realidade distante, mas uma presença constante no meios sociais e na construção coletiva. 
E nesse trabalho de formiguinha, de passo a passo, analisando e nos questionando, insistindo e nos empoderando, vamos conquistar o nosso desejo maior enquanto ativistas do parto empoderado: tranquilidade e suporte para que as mulheres possam parir em paz. Assim como poderão ser mulheres em paz, com toda a sexualidade e naturalidade que demandamos. 

 E, com a conquista dessa humanização, perceberemos uma humanização maior do mundo. Por que mães empoderadas e humanizadas criam filhos mais humanos. 

#PsiMama

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