Por que não dizer “já passou”, “foi só um susto” ou “nem
doeu” quando a criança se machuca?
Na nossa série, já falamos aqui da comunicação
positiva e o direito à verdade, lembram? É o conceito da autora que nos inspira, a Laura Gutman, que acredita (após muito observar em seus 30 anos de
trabalho) ser extremamente importante conversamos com as crianças de forma
clara, como conversaríamos com um adulto, para prepará-las para as realidades
que estão por vir.
A autora estudou com a grande
psicanalista francesa Dolto, que dizia que
“os seres humanos têm a mesma
capacidade de compreensão do dia que nascem ao dia que morrem”.
E, hoje, vamos falar da
importância dessas conversas perpassarem a realidade externa, a realidade
interna e a legitimação dos sentimentos da própria criança.
Isso por que faz-se necessário
dividir esse direito à verdade em dois: a verdade das coisas que lhe acontecem
no dia a dia, como aonde vamos, como será seu dia, está na hora de comer ou na
hora do banho, etc. Isso a Laura Gutman chama de “verdade externa”, por se
tratar do mundo externo e sua realidade.
Mas temos também uma outra
verdade à que as crianças têm direito, que é o que ela chama de “verdade
interna”. Essa é ainda mais importante, pois tem o poder de liberar os bebês
da projeção de sombra, liberar crianças pequenas de carregar culpas e de
liberar até mesmo os adultos que nos rodeiam de mal entendidos. Até por que
tudo isso que é sugerido aqui com relação
às crianças deve, sim, ser colocado na prática em todos os nossos relacionamentos
verdadeiros.
A comunicação com o direito à verdade interior é aquela em que
entramos em contato com nossos sentimentos e expomos eles aqueles que nos rodeiam.
E para as crianças isso é especialmente importante, por que elas nos conhecem
muito bem. Passaram grande parte de seus primeiros anos só nos observando e nos
conhecem como ninguém. Percebem facilmente quando algo está errado, mas com
seus limites cognitivos têm muita dificuldade de entender exatamente o que está
acontecendo. Aliás, às vezes nem nós mesmos sabemos, por não organizar um raciocínio
sobre o assunto ou colocá-lo em palavras. É por isso que essa comunicação é tão
importante para o adulto que fala também. Nos bebês, inclusive, é o que os libera
da projeção de sombra: o contato da mãe com sua própria sombra.
Ao entrar em contato com sua
verdade interior, e verbalizá-la, comunicando às crianças ( e adultos), você
não só deixa mais claro para elas o que está acontecendo, como muitas vezes o
faz para si também.
Outro ponto interessante que a
psicoterapeuta fala é a importância de se comunicar com a criança na primeira
pessoa do singular. Falar de si mesmo, e não do outro, falando se suas próprias
realidades e verdades. Chamar-se de “eu” e conversar com a criança de forma
honesta.
Mas um detalhe importante é saber
que as crianças até uns três anos ainda não têm conceito abstrato. Ou seja, é necessário ser muito claro e específico,
explicando com detalhes cada passo de cada verdade (tanto externa quanto
interna), para que haja verdadeira compreensão.
Como assim?
Por exemplo, se você fala “vou
trabalhar” um adulto entende pra onde você vai e quanto tempo vai ficar lá e
quando volta. Uma criança não tem essa noção, e faz-se necessário explicar os
detalhes que essa informação traz consigo. Da mesma forma, a pouca vivência
dela não a permite supor possíveis desenrolar de certas situações, e isso pode
assustar. Por exemplo, ela vê os pais brigando. Os pais sabem que naquele
momento estavam estressados, brigaram, mas que depois mais calmos vão se
resolver. A criança não sabe disso.
Vamos ao exemplo:
O casal não está bem dentro de
casa, está tendo brigas e desentendimentos, e a criança percebe. E percebe bem,
claramente, por se tratar de duas pessoas que ela conhece muito bem! No entanto, ela não sabe do que se trata, e isso pode
se assustar, deixá-la chorosa ou com comportamento estranho. No entanto, quando
você diz, por exemplo, “filho, eu estou triste por que eu e seu pai brigamos.
Eu fiquei triste por que ele chegou tarde, e quando fui falar com ele sobre
isso acabei ficando muito nervosa e nem disse o que eu queria mesmo. Mas é que
eu estou com muita saudade dele, sabe? Mas você não precisa se preocupar, por
que eu estou bem. Eu tenho certeza de que depois vamos conversar com mais calma
e vamos ficar muito bem. Não fica preocupado comigo por que estou bem, ta bom?”
você explica a situação, libera a criança da possível culpa ou de pensamentos
ruins, e ainda verbaliza seus sentimentos para si. Em casos de bebês, é
igualmente saudável, pois os libera da projeção de sombra, uma vez que a há conscientização
do seus sentimentos.
imagem por Mãe Solo
E os sentimentos das crianças?
Quando criamos o hábito da
comunicação e o direito à verdade, também ensinamos aos nossos filhos duas
coisas muito importantes: o contanto com a própria verdade interior, e o hábito
de comunicá-lo bem. Crianças que crescem em ambientes em que esse exercício vem
desde bebês tendem a desenvolver essa seqüência lógica do raciocínio de forma saudável,
além de ter mais facilidade de comunicar-se e expressar-se. São crianças que não têm
dificuldade de dizer como se sentem, e que conseguem distinguir com mais
facilidade o próprio sentimento do sentimento do outro. E, também, conseguem
compreender o outro, por ter o costume de ouvir como o outro se sente.
Por que não dizer “já passou”, “foi
só um susto” ou “nem doeu” quando a criança se machuca?
Quando a criança se machuca e lhe dizem que não está doendo, ou
que já passou enquanto ainda dói, ou até mesmo quando afirma que aquele
machucado não foi nada, a verdade interior da criança é ignorada e nomeada de
forma a descreditar seus sentimentos. Dizendo isso, ensina-se que sua dor não é nada, ensina-se
que aquele sentimento ruim que está sentindo não tem importância pro adulto, enquanto a criança o sente desamparada. Quando ainda dói.
Quando perguntamos para a criança se ela se machucou, se doeu, mostramos genuíno
interesse em sua verdade interior. Quando a criança verbaliza sua dor e é
acolhida, têm sua verdade interior legitimada e valorizada. Seus sentimentos
foram considerados, e realmente importam.
O mesmo acontece, com uma importância enorme, em casos de morte na família ( e outros tipos de
perdas, como grandes mudanças ou divórcio).
Faz-se necessário conversar com a criança ou o bebê, falar sua verdade
interior, e explicar-lhe a verdade exterior. A criança percebe e precisa
entender, precisa legitimar seus sentimentos para que tenha seu próprio
luto, para que seja amparada nesse momento, ao invés de fingir que nada está
acontecendo para ‘poupá-la’. Algo está, sim, acontecendo, e é necessário conversar e legitimar seus
sentimentos para ampará-la. De outro
modo, ela passará por todos esses momentos de luto e compreensão de qualquer forma, mas sozinha e
com sua compreensão limitada e conclusões infantis.
E ai, gostou? Dê sua opinião! :)
Beijos
PsiMama
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